A simbologia das porteiras no ambiente rural

Das canções aos depoimentos, a influência das cancelas no campo.

"Ao passar pela velha porteira senti minha terra mais perto de mim... Seu triste rangido lembranças me trás. Porteira na realidade, você é a saudade do tempo da infância que não volta mais." A letra dos compositores Élio Alvez e Miltinho, interpretada pela dupla Lourenço e Lourival nos anos 1990, é apenas uma das canções campeiras que refletem a simbologia das porteiras para o meio rural.
A conhecida canção Menino da porteira, de autoria de Teddy Vieira e Luizinho em 1955, também reflete como a figura da porteira remete a lembranças e emoções. Não só na música, mas a palavra está muito inserida na cultura gaúcha. O termo "porteira fechada" é utilizado quando uma estância é vendida junto com as criações e bens móveis.
Se uma criança perde um dente, ela fica com o sorriso "porteirinha", pelo espaço entre os dentes que remete à abertura. Além de limitar e demarcar espaços, a porteira é sinônimo de acesso e o termo é muito usado nas negociações do agronegócio, como "porteira aberta para a soja", significando que a cultura está favorável.
No sentido espiritual tem espaço junto ao patrão celeste, ao lado do bem, já que lá em cima são as porteiras do céu e embaixo as portas do inferno.
No meio rural, a primeira coisa que alguém faz quando recebe uma propriedade, muitas vezes antes de arrumar a casa, é fazer uma porteira nova ou recuperar a antiga, como se estivesse nesse ato colocando um pouco de sua marca na entrada da casa.
Já uma característica pejorativa do gaúcho, em relação a esta figura, é quando se diz que o vivente "só sabe produzir da porteira para dentro", que quer dizer que as coisas só funcionam do modo dele e que não se abre para novas possibilidades.
A porteira também está muito ligada com atividades pecuárias e tem uma prova específica em funcionais com cavalos, demonstrando a habilidade do cavaleiro em abrir e fechar porteiras montado em um cavalo, em um processo sistemático envolvendo disciplina do animal e destreza do condutor.
No período das guerras era símbolo de esperança para mulheres que aguardavam por seus homens, atentas à figura e ao rangido da porteira se abrindo, como sinal de sobrevivência das batalhas.
"Ela é o elo entre o passado e o presente, entre a chegada e a partida", traduz o engenheiro agrônomo Gilberto Demari Alves, morador da Estância Nossa Senhora dos Prazeres, no Laranjal. A propriedade é a mais antiga da região, onde foi dado início ao bairro. Lá morou o coronel Thomaz Luiz Osório, Manoel Bento da Rocha, as irmãs Fontoura e Antônio Augusto Assunção, fundador do bairro Laranjal.
Atualmente mora a sétima geração dos Assunção, com Ivone e o marido Gilberto. Morador desde 1981, o casal estabeleceu novas construções rurais na propriedade. Estas confeccionadas por Ubirajara Índio Furtado Ribeiro, uma figura reconhecida por seu trabalho com madeira em diversas estâncias da Região Sul do Brasil.
"Seu Ubirajara é uma pessoa que sempre trabalhou corretamente, que assumia um trabalho e concluía com esmero e qualidade, sem causar preocupações ao anfitrião", confirma Gilberto. Conhecido como "Seu Bira", tinha fama de trabalhar com o que amava fazer: construções rurais. Nascido em Pelotas em 1931, foi aluno fundador da UCPel onde cursou o 3º grau. Pequeno pecuarista, tornou-se construtor rural e se especializou com a experiência de anos de trabalho.
Ubirajara explica que a escolha do modelo de uma porteira está associado a sua função e ao local que será instalada. O contexto ao redor de onde será colocada a porteira depende de diversos fatores. Não deve ter árvores próximas para evitar que os animais façam paradouro perto, ser um lugar plano, ter espaço suficiente para um caminhão comprido fazer a curva, que não se feche com o vento, entre outros detalhes percebidos pelo conhecimento empírico de toda uma vida trabalhando com
construções rurais.
Seu Bira utilizou madeiras de angico, guajuvira, grapiapunha, cabriúva e ipê. Madeiras fortes de acabamento rústico e delicado, para construção de cercas, portas, mangueiras, cepos e bretes. Teve seu trabalho presente em diversas estâncias de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul e suas fronteiras.
Grande parte dos bretes, pistas e demais construções do Parque de Exposições Ildefonso Simões Lopes, em Pelotas, foi conduzida e executada por Ubirajara e sua equipe. Participou de grandes feiras apresentando seus produtos, como na Expointer em Esteio e na 1ª Exposição Industrial Brasileira em Montevidéu, Uruguai.
Atualmente, com 83 anos e dificuldade auditiva, sua maior preocupação é em disseminar seu trabalho e seu conhecimento. Recentemente publicou o livro Construções rurais (2010), em que faz um resgate histórico de construções como porteiras, bretes, troncos e mangueiras, com mais de 30 anos de existência.
A outra é uma publicação exclusiva de porteiras, com fotos ilustrativas e plantas das suas projeções, à venda na Livraria Vanguarda. O livro é dedicado aos pecuaristas, estudantes de Veterinária e demais interessados.
História das porteiras
*Texto extraído de parte da publicação Porteiras, de Ubirajara Ribeiro
Quando o Rio Grande nascia, pelos idos de 1700, as porteiras eram muito poucas, devido ao sistema de arrinconamento do gado xucro. Estas, se dedicavam a engorda ou cria e, via de regra, eram determinadas por acidentes geográficos, a exemplo de arroios, paredões de rochedos, matas cerradas, paredes de pedras (taipas), paredes de terras íngremes cobertas por gravatás, como até hoje existem no município de Pelotas.
Essa área de pastoreio era chamada de rincão e a passagem de um para outro de primitivas porteiras feitas de pedra ou madeira. Nas pontas havia mourões perfurados e, através desses, passavam as varas de madeira, com altura e quantidade de cinco, sete e até nove varas. Muitas vezes era preciso colocar-se um couro seco de boi, para impedir a fuga dos animais que se assustavam e não tentavam ultrapassá-la.
Com o passar do tempo o gado foi aumentando, assim como o número de invernadores, em consequência, o tamanho dos potreiros foi diminuindo, exigindo assim maior divisão, resultando disso o uso das porteiras para garantir o acesso.
As porteiras abertas no momento certo serviam como instrumento de aparte, mas quando mal fechadas ou por pichoteada do gaúcho, foram as responsáveis pela formação de manadas chimarronas que cresciam livres e agrestes pelos campos do sul.
Diz-se que as fronteiras são porteiras abertas, por onde passa a cultura e se irmanam povos. Mas é verdade também que porteira escancarada é sinal de terra abandonada. Dizia o Dr. Janino Tavares que pela porteira poderia se conhecer o dono. Em suas palavras simples, traduzia ele - se a porteira é bem cuidada o proprietário é homem cuidadoso e a estância, por conseguinte também, de contrário as coisas vão de mal a pior.

Diário Popular
Por: Cássia Medronha


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